Habito de assistir tv

O velho hábito de ajustar o relógio quando soa a musiquinha do “Jornal Nacional” deixou de ser garantido. Há um bom tempo, o telespectador tenta readequar sua rotina para acompanhar o atraso na programação vespertina da Globo - culpa do horário de verão e da crise de audiência. Gente acostumada a ir dormir após a novela das nove chiou. Donas de casa que fiavam a hora do jantar pela trama das seis estranharam. Graças ao hábito forjado pela própria emissora de emendar novelas religiosamente às 18h, 19h e 21h, a meia hora a mais nos clássicos do horário nobre mexeu no dia-a-dia de muitos espectadores. A Globo não informa até quando vai manter a alteração da grade em sua principal faixa de programas. Porém, pouco mais de uma semana já foi suficiente para mexer na rotina de famílias como a da esteticista Eronilda Alves Lima de Paula, de 35 anos, e do marido, o cabeleireiro Manoelito Vicente de Paula, de 39. Habituados a voltar para casa à noite e pegar parte da novela das nove, comemoraram o ganho de dez minutos na transmissão de “A Favorita”. “Para assistir a tudo, a gente costumava deixar o banho só para depois da novela.”O problema é que, como a trama é transmitida cada vez mais tarde, passou a bater de frente com “Os Mutantes”, da Record, que começa às 21h30 e é a preferência do filho do casal. Por isso, desde a semana passada, Leonardo Vicente Lima de Paula, de 10 anos, disputa o controle com os pais, mais interessados no passo-a-passo das personagens Flora (Patrícia Pillar) e Donatela (Cláudia Raia). “O pior é que muitas vezes ele ganha, aí vejo ‘Os Mutantes’ com ele, fazer o quê?”, diz Eronilda. Nessa queda de braço, no entanto, a Globo tem saído favorecida: antes, o canal concorrente se beneficiava da migração de público quando terminava “A Favorita”. Agora, o telespectador faz um esforço para se manter em frente à TV até mais tarde. Quem atesta essa prática é a psicóloga especialista em família e casal pela PUC/SP Márcia Lima Ferreira. “As pessoas conformam seus horários. No consultório, vemos casais cuja rotina é baseada na TV, na hora da novela. Dependendo da relação dessa família, uma mudança na grade pode ocasionar conflitos.”É como se o público “seguisse” a Globo, mesmo a contragosto. A enfermeira Margarete de Sampaio, de 35 anos, percebeu logo de cara as mudanças na grade da emissora graças a seus pacientes idosos. Ela afirma: grande parte da rotina deles se dá de acordo com a seqüência de novelas globais. Uma de suas pacientes, da qual toma conta todas as noites, não gostou de esperar mais para ver “A Favorita”. “Ela assistia à novela sentada e dormia às 22h. Agora já vê a novela deitada e dorme um pouco mais tarde.” A mudança, ela conta, deixou a paciente contrariada e “agitada”. “Os idosos sentem mais essas mudanças. Os mais novos são mais maleáveis”, opina Margarete.Munido dessa “maleabilidade”, o estudante de administração Gabriel Freitas, de 23 anos, tenta driblar a rotina para assistir a mais trechos de seu folhetim predileto, “Três Irmãs”. Mas a escala trabalho-casa-faculdade atrapalha seus planos. “Nesses últimos capítulos estou sentindo muito por não conseguir assistir. A novela está começando às 19h30, bem na hora em que eu tenho de sair de casa para ir para a faculdade”, lamenta. No hiato entre o escritório e os estudos, entretanto, agora assiste a “Malhação” e “Negócio da China” sem pressa. Benefício semelhante deixou a empregada doméstica Marlene da Silva Morgado, de 53 anos, animadíssima. Antes saía correndo do trabalho para acompanhar alguns trechos de “Malhação”. Desde a semana passada, quando o programa teen virou quase novela das seis, Marlene consegue chegar em casa, preparar um café e sentar-se tranqüila para desfrutar das “intrigas adolescentes” do início ao fim. “Quando termina, ouço as outras novelas enquanto lavo roupa, cozinho. E tenho mais tempo até começar a novela das sete, que começa 19h30. Essa não perco por nada.”