Publicidade

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Pupila 12°Capitulo

Posted by Anônimo | terça-feira, outubro 04, 2011

Capitulo 12

“Carlos.

Sem ofender as leis da civilidade, continuo a dar-te o tratamento do dominó, porque, em boa verdade, eu continuo a ser para ti um dominó moral, não é assim ?”

Passaram-se catorze dias, depois que tiveste o mau encontro de uma mulher, que te privou de algumas horas de deliciosa intriga. Vítima da tua delicadeza, levaste o sacrifício a ponto de te mostrares interessado na sorte dessa célebre desconhecida que te mortificou. Não serei eu, generoso Carlos, ingrata a essa manifestação cavalheirosa, embora ela será um rasgo de artista, e não um desejo espontâneo.

Queres saber porque tenho demorado catorze dias este grande sacrifício que vou fazer ? É porque ainda hoje me levanto de uma febre incessante, que me insultou naquele camarote da segunda ordem, e que, neste momento, parece declinar.

Permita Deus que seja longo o intervalo para ser longa a carta : mas eu sinto-me tão pequena para os sacrifícios grandes !… Não te quero responsabilizar pela minha saúde ; mas, se o meu silêncio de longos tempos suceder a esta carta, conjectura, meu amigo, que Henriqueta caiu no leito, donde há-de erguer-se, se não é graça que os mortos hão-de erguer-se um dia.

Queres apontamentos para um romance que terá o mérito de ser português ? Vou dar-os.

Henriqueta nasceu em Lisboa. Seus pais tinham o lustre dos brasões, mas não brilhavam nada pelo ouro. Viviam sem fausto, sem história contemporânea, sem bailes e sem bilhetes de boas-festas. As visitas que Henriqueta conhecia eram, no sexo feminino, quatro velhas suas tias, e, no masculino, quatro caseiros que vinham anualmente pagar as rendas, com que seu pai regulava economicamente uma nobre independência.

O irmão de Henriqueta era um moço de talento, que grajeara uma instrução, enriquecida sempre pelos desvelos com que afagava a sua paixão única. Isolado de todo o mundo, o irmão de Henriqueta confiou a sua irmã os segredos do seu muito saber, e formou-lhe um espírito varonil, e inspirou-lhe uma ambição faminta de ciência.

Bem sabes, Carlos, que falo de mim, e não posso, nesta parte, engrinaldar-me de flores imodestas, se bem que não me faltariam depois espinhos que me desculpassem as vaidosas flores…

Eu cheguei a ser o eco fiel dos talentos do meu irmão. Nossos pais não compreendiam as práticas literárias com que aligeirávamos as noites de Inverno ; e, mesmo assim, folgavam de nos ouvir, e via-se-lhes nos olhos aquele rir de bondoso orgulho, que tanto inflama as vaidades da inteligência.

Aos dezoito anos achei pequeno o horizonte da minha vida, e enfastiei-me da leitura, que mo fazia cada vez amesquinhar-se mais. Só com a experiência se conhece o quanto a literatura modifica a organização de uma mulher. Eu creio que a mulher, apurada na ciência das coisas pensa de um modo extraordinário na ciência das pessoas. O prisma das suas vistas penetrantes é belo, mas as lindas cambiantes do seu prisma são como as cores variegadas do arco-íris, que anuncia tempestade.

Meu irmão lia-me os segredos do coração ! Não é fácil mentir ao talento com as hipocrisias do talento. Compreendeu-me, teve dó de mim.

Meu pai morreu, e minha mãe pediu à alma de meu pai que lhe alcançasse do Senhor uma vida longa para meu amparo. Ouviu-a Deus, porque eu vi um milagre na rápida convalescença com que minha mãe saiu de uma enfermidade de quatro anos.

Eu vi um dia um homem no quarto de meu irmão, onde entrei como entrava sempre sem receio de encontrar um desconhecido. Quis retirar-me, e meu irmão chamou-me para me apresentar, pela primeira vez na sua vida, um homem.

Este homem chama-se Vasco de Seabra.

Não sei se por orgulho, se por acaso, meu irmão chamou a conversa ao campo da literatura. Falava-se em romances, em dramas, em estilos, em escolas, e não sei que outros assuntos ligeiros e graciosos que me cativaram o coração e a cabeça.

Vasco falava bem, e revelava coisas que me não eram novas com estilo novo. Naquele homem, via-se o gênero aformoseado pela arte que só na sociedade se adquire. Em meu irmão faltava-lhe o relevo de estilo, que se lapida ao trato dos maus e dos bons. Bem sabes Carlos, que te digo uma verdade, sem pretensões de bas-bleu , que é de todas as misérias a mais lastimosa miséria das mulheres cultivadas.

Vasco retirou-se, e eu quisera antes que ele se não retirasse.

0 Comments:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Recent in Sports

Publicidade

Technology

Ads

  • RSS
  • Delicious
  • Digg
  • Facebook
  • Twitter
  • Linkedin
  • Youtube